Guillaume Quatravaux e o Meikai
Olá, sou Guillaume Quatravaux. Eu participei do layout dos episódios da nova série de Saint Seiya. Não posso dizer que desenhei bastante, mas o pouco que fiz foi um prazer e uma enorme fonte de aprendizado em um tempo muito curto.
Respondendo a um rumor engraçado, não, eu não tenho absolutamente nada a ver com o livro de Luné (Rune ou como quer o chamem… aqui [Japão], a pronúncia é Luné). É por meio deste post que eu descobri o que era. É muito engraçado ver o resultado [o livro de Rune ser em francês e não em grego como no mangá]. Eles deveriam ter tirado uma página do catálogo telefônico francês, teria sido ainda melhor (e quase mais lógica). Como podem ver, esse anime não é voltado, realmente, ao público estrangeiro.
Se vocês tiverem dúvidas, vão em frente. Posso não ser capaz de responder tudo, mas posso obter as informações adicionais, que irá trazer-me também as respostas às perguntas que eu não tinha levantado. […]
(post em cyna.net, em 16/01/2006)
[após algumas perguntas de fãs, ele torna a se pronunciar]
Eu adoro Saint Seiya, e isso [ter trabalhado em um OVA] é porque uma amiga minha recebeu essa oferta de trabalho, ela teve a gentileza de compartilhá-lo comigo, já que eu coleciono os novos bonecos. É divertido, ela me vê como um “grande fã” de Saint Seiya, só que vocês é que são mesmo. Tenho grande nostalgia, e arrepios pelos velhos episódios, e para mim as músicas estão entre as mais belas já criadas para a animação.
Tomei parte só no segundo episódio, mas eu perguntarei se posso ajudar com a continuação. Tudo depende dos planos deles e das suas necessidades. Geralmente, os estúdios é que pedem, e não os animadores no Japão.
Eu não vi o Sr. Araki. Eu só vi o assistente do episódio e o diretor (mesmo não tendo certeza). Eu trabalho em outra série que não tem nada a ver, e então eu tive tempo para dedicar à tarefa que me foi dada.
Saber se ele [Araki] gosta de trabalhar em Saint Seiya, eu não sei, mas aparentemente, ele faz quase todos os desenhos básicos, bem como as correções. Não posso dizer no momento em que percentagem, mas ele é muito comprometido.
Eu tive seus desenhos originais, corrigidos por ele mesmo, e minha tarefa era limpá-los, adicionar sombras e reflexos nas Armaduras. Foi fantástico “mexer” com os originais do Sr. Araki. É [um desenho] muito arrojado e muito agradável. Aprende-se muito redesenhando por cima. É um trabalho delicado, porque tem que se saber como “decifrar” seus desenhos, sem cometer erros, e especialmente não trair o seu desenho original, mesmo que as coisas possam parecer bizarras. Não se deve reinterpretar um desenho. De todo modo, os desenhos são revisados mais uma vez na etapa seguinte.
Não vi nada dos novos episódios além daquele em que eu trabalhei, que eu vergonhosamente baixei [fez o download]… Eu vou comprar os DVDs quando saírem (de recordação). É muito emocionante ver seu próprio nome em Saint Seiya. Eu acho que nunca me senti tão animado com qualquer outra coisa.
Ainda assim estou bastante desapontado com o resultado. A qualidade global dos novos episódios está francamente em declínio. Mas temos que ver as condições de trabalho e o tempo que é dado à diferentes pessoas (e eu imagino que sejam milhares, ou não). Mas essa é outra discussão.
Vou tentar perguntar a alguém sobre as outras questões: o estúdio das decorações [dos cenários]… […]
(post em cyna.net, em 16/01/2006)
Como prometido, um pequeno romance só para vocês.
Nota: Sra. Himeno, até eu vir a este fórum, pensava que era um homem… Estou realmente, REALMENTE no chão! Aprende-se algo novo todo dia!
Vamos por ordem:
Eu sempre fui fascinado pela animação, principalmente a animação japonesa. Comecei a aprender japonês em Paris quando eu estava na escola e tinha 17 anos. Em seguida, depois da escola, eu fui para a universidade aprender japonês, que eu larguei depois de um ano. Claro que não se aprendia a falar nesse tipo de lugar. Depois tive alguns empregos por algum tempo (bares, callcenter, vendedor de video games) até que eu decidi seriamente me preparar para entrar em Gobelins [Escola Audiovisual de Paris]. Passei um ano em escola preparatória para me atualizar, o que não me agradou muito. Apesar de tudo, entrei na seleção para Gobelins, e cheguei à última fase. Na verdade não fui selectionado no final. Passei a competição EMCA de Angoulême, onde estudei por dois anos. Na mesma época eu fiz um filme como um ator. No final dos meus estudos da EMCA eu procurei por uns dois meses de treinamento no Japão (necessários para validar meu ano de estudo) enquanto eu estava fazendo turismo e a divulgação do filme. Eu queria trabalhar na companhia francesa “Sav!”, que estava produzindo naquela época “Molly Star Racer” entre Paris e Tóquio. O trailer dessa produção me deixou profundamente empolgado alguns anos atrás (como muitos outros). Queria a todo custo ser parte desta produção. O posto que eu tomaria era irrelevante. Depois de promover o filme, fui selecionado para dois meses de estágio em Tóquio como assistente de produção em Molly. cuidando da ligação entre a França e o Japão com elementos 3D, e eu parti imediatamente para o Japão (Dezembro de 2004). Depois destes dois meses de estágio, fui contratado, e ainda estou.
Desde que eu trabalho em um estúdio tradicional de animação, me dei muito bem com uma pessoa em particular, Sra. Kobayashi, uma animadora estabelecida. Sabendo de meu interesse por Seiya (a série, não sujeito… huhuuu), e que eu tinha uma boba coleção completa de Cloth Myths (que são mais fáceis de encontrar localmente), ela me disse animada que tinha uma oferta para trabalhar no novo capítulo de Saint Seiya. Fique super empolgado com a idéia de ser capaz de ver model sheets originais e o story board. Que privilégio. Kobayashi-san finalmente aceitou o trabalho depois de ter hesitado um bom tempo (ela tinha um monte de trabalho e não conhecia mesmo Saint Seiya. Para dizer a verdade, ela realmente tinha pouco a ver), e – suspeito – ela queria me agradar. Ela me levou para o estúdio da TOEI e me apresentou como seu assistente “especialista em Saint Seiya” (hum), então foi assim que ela me confiou os planos que eu queria.
Foi assim como tudo aconteceu (Ufa).
O mundo do anime é muito pequeno no Japão afinal. Sem esperar, você pode topar com grandes animadores perto do estúdio de animação (eu cruzei com Satoshi Kon [trabalhou em GTO, Patlabor 2, Tokyo Godfathers, Paprika e outros], e Morimoto enquanto dava uma voltinha, só para dar um exemplo… mas seria outra coisa se tivesse falado com eles…).
Estou muito feliz de viver no Japão. Mas a razão é simples: tenho uma posição confortável graças ao fato de eu trabalhar em uma companhia francesa. Não vou dar detalhes, mas é claro que se eu trablhasse como animador para uma companhia japonesa, o meu padrão de vida seria qualitativamente reduzido por 4! A animação é realmente mal remunerada no Japão. Os animadores são pagos por folhas desenhadas. Então, imagine que para comer é necessário trabalhar extremamente duro e rápido!
As coisas que me incomodam no Japão são especialmente os terremotos, muito assustadores, apesar de estar um pouco acostumado agora. Outra coisa que às vezes é um pouco difícil é o fato de que, querendo ou não, sou estrangeiro e outra coisa é que às vezes é um pouco díficil se comunicar. Mesmo que você se esforce para falar japonês, você frequentemente responde em inglês, mesmo que você consiga formar uma bela frase. E toda vez que eu abro a porta de um táxi e o motorista vê meu rosto, há um tipo de momento de curta hesitação! hihi. Sou sortudo por ter um trabalho sem estresse, mesmo estando cansado. Eu devo ir só de segunda-feira até sábado. Só um domingo não é suficiente para curtir a vida. Muitas vezes eu estou cansado para sair e aproveitar a vida (vou parar de falar da minha vida… é que foram vocês que me pressionaram a isso aqui!).
Por outro lado, é fantástico ser capaz de comer coisas boas, ter seus próprios hábitos, aprender novas palavras, novas coisas sobre a cultura japonesa, ter grandes lojas, etc. Uma das coisas que mais aprecio é que nunca me senti em perigo (exceto pelas catástrofes naturais…). Não tenho medo de ser atacado ou de que roubem a minha carteira. Não estou dizendo que isso não aconteça, mas é muito raro. A cidade é limpa, sem sujeira de cachorro – é verdade não vi nem UM! Pode acontecer de existirem lugares sujos, mas é relativamente bem limpa em comparação com Paris, por exemplo. Tudo é bastante prático, os trens nunca se atrasam, etc. A vida é muito cara, mas se acostuma com isso. Uma vez que sabemos o preço das coisas, tudo é relativo. O que é caro na França, não é necessariamente aqui, e vice-versa. Vou parar agora.
No que diz respeito à diminuição da qualidade (o que, infelizmente, não se aplica só à Saint Seiya), isto é, não se deve só ao tempo [ tempo para a produção de cada episódio]. É verdade que o tempo passa muito rápido. Lembro-me ainda de quando perguntava a Sra. Kobayashi “quando devo terminar?” e ela alegremente respondia “Ah, você deve terminar…para ontem!”. Surpreende-me o quão rápido os episódios foram exibidos depois de eu ter enviado meus desenhos! 1 mês …
Mas a verdade é que no Japão, por incrível que pareça, há uma falta de animadores, e o pior, bons animadores. Há mais demanda do que oferta. As companhias devem contratar jovens entusiastas, que muitas vezes vivem ainda com seus pais (muito tarde). A maioria desiste ao longo do caminho, porque é realmente extremo. Bons animadores estão agrupadas em séries ou filmes de grande orçamento. Isso é, se eles aceitarem…
Os animadores trabalham de 7 dias por semana, e eles saem à noite. O “nomikai” é de utilidade pública (para quem não sabe, é sair por aí, para pequenos bares ou restaurantes, ficando um pouco bêbados e você ri e conversa…). Falando nisso, eu planejei uma noite de quinta-feira com o pessoal do meu estúdio ….Êba (Zzzz – sono)
Minha contribuição à Seiya, eu fiz longe da Toei, no estúdio onde eu passo meus dias. Fiz desenhos à noite … por falta de tempo! E foi a minha primeira experiência com as técnicas especiais de animação japonesa, eu dediquei meu tempo para fazer o melhor. O meu maior receio era não entregar, falhar completamente com as sombras, estragar a concepção original do senhor Araki, e ser ridicularizado, que me jogassem pedras e me apontassem em todo o Japão. Felizmente, eu aprendi que existe ainda uma rede de salvamento em caso de covardia. Sra. Kobayashi sempre me diz “Não se preocupe tanto, se houver um problema ele será corrigido depois, não será mais sua tarefa”. Isso realmente remove um monte de estresse.
Tudo que eu fiz foram somente 3 desenhos, incluindo dois que são as memórias dos combates do Seiya. Eu escolhi um dos mais belos desenhos (que ficou explêndido em uma grande folha…e por isso, era realmente todo difícil, com 3 camadas de correções…) com Seiya que dá um chute no cavaleiro de Leão (embora todo este trabalho seja só para alguns centésimos de segundo, snifff…).
Coloquem as capturas de telas mostrando o resultado final do que fiz.
Versão finalizada no anime dos 3 únicos desenhos de Guillaume.
Não sei a opinião da equipe de produção sobre o novo rumo da série, mas da minha parte, acho que as novas vozes não são brilhantes, e Seiya é ridículo. Já não é tão esperto como no início, ele passa por um perfeito idiota (talvez este seja muito mais próximo do mangá, como infelizmente eu nunca li). Eu vi que ele supostamente iria peidar (como no mangá?)…hu hu hu. Não me matem, é apenas uma opinião pessoal! Acho que ainda fazem as pessoas pagarem um preço alto por uma qualidade mediana, eu não acho muito honesto. De qualquer maneira, estou satisfeito, no entanto, que a “mágica” continua, e segue a história original (que sonhamos esta série de Hades, e aí está … agora eu vou parar de reclamar também).
Estou meio frustrado por não ter como contar mais sobre a atmosfera e a opinião da equipe técnica da Toei. No Japão, é muito comum que os animadores sejam autônomos [freelancers], que são responsáveis por uma série de desenhos em vários projetos ao mesmo tempo. No meu estúdio, por exemplo, alguns animadores estão trabalhando em outras séries que não têm nada a ver com o estúdio (como “Full Metal Alchemist” e outros…). Eles levam com eles as folhas de desenho, e trabalham nelas onde querem (e onde eles podem! muitas vezes em casa, aliás) entre as várias reuniões que possam ter. A divisão do trabalho é distribuída entre vários diferentes estúdios de composição ou edição. Tudo não está no mesmo estúdio! E muito poucas pessoas trabalham em uma só produção. Eu não posso dizer exatamente quantas. Mas perguntarei em algum momento.
E não, eles não enviam DVDs aos animadores. Em qualquer caso, a idéia era uma graça!
Vou deixar vocês, e eu desejo-lhe tudo de bom, e até a próxima!
Guillaume
(post em cyna.net, em 17/01/2006)
[…]
Sim, eu vi o story board que é exigido para acompanhar o que acontece. É muito feio e muito básico. Mas os desenhos nesta série não são muito complicados. Eles são geralmente close-ups no rosto que falam por horas (ahhh Saint Seiya). Então campos / contra campos e etc. Em uma série não é hora de fazer lindos desenhos sobre o story board, sem perder tempo. É elucidativa. Mesmo assim, isso é uma faca de dois gumes, pois pode haver má interpretação quando um desenho é muito breve. Deve-se estar bastante familiarizado com os códigos gráficos em japonês. Devo dizer que não tão evidentes.
São muito diferentes em longas-metragens. Os desenhos são mais avançados, em geral, vê-se a mesma réplica exata do que será projetada na tela (já viram os story boards de Satoshi Kon?).
Para o resultado final, é realmente surpreendente. Fazem o trabalho [traduzir o story boar em belos desenhos] sem realmente saber o que vai dar. Por exemplo, foi a primeira vez que fiz sombras sobre a armadura de Saint Seiya (pelo menos não desde os meus 7-8 anos em que eu fazia desenhos sobre as caixas de brinquedo de Saint Seiya…). Então eu tive que improvisar, vi alguns velhos episódios em divx, e alguns novos (a técnica tem uma pequena mudança, com todos estes efeitos degradados não muito agradáveis). Eu misturei um pouco de ambos. Eu também percebi que o desenho da armadura muda um pouco de um plano para outro…Mudam muito…Não sabia mais qual fazer. Com o Leão fiquei incomodado, porque os modelos sobre os primeiros 13 novos episódios difere do desenho que eu tinha. Mas não me forneceram qualquer modelo exemplar para o Leão ou Asterion…nada fácil. Encontrei uma foto de Asterion depois no Manga e eu fiz com ele (o esboço do Senhor Araki era realmente preciso).
Acho que eles consideram que houve tantos episódios que não é necessário fornecer todos os modelos … Não sei, mas é bom fazer uma pequena pesquisa.
Então, no final eu estava muito feliz. Tudo o que fiz foi mantido sem correções. Tudo foi redesenhado “limpo” (eu teria gostado de dar este passo, mas bom…) e, em seguida, colorido. É legal, você faz as indicações e a magia, é tudo feito sozinho.
Animação muito simpática para ele! (atenção às más surpresas mesmo assim …)
[…]
(post em cyna.net, em 18/01/2006 – esse foi o último comentário relevante sobre o trabalho de Guilleume sobre Saint Seiya)
Desde então, Guillaume não teve a oportunidade de participar novamente de Saint Seiya.
AUTOR/TRADUTOR:
Allan “Nicol”
Fonte e Créditos Gerais:
O animador Guillaume Quatravaux e Cyna.net.
Páginas Relacionadas:
Achei ele meio esnobe e meio reclamãom rs. Parece que nem fazia tanta questão assim de trabalhar com SS. Mas cada um tem seu jeito e opiniões e isso faz do mundo um lugar agradável de se viver rs.
Valeu pelas curiosidades e fatos da vida de um estrangeiro no Japão!
Obrigado por dividir conosco o/