TRADUÇÃO:
Allan “Nicol”
Fonte:
Entrevista publicada 12/04/2004 pela Web Anime Style. Imagens e vídeos: Martino1206, Arion (Burnign Blood), OVGuide, artbook oficial Shingo Araki & Michi Himeno Illustrations – Hikari.
Este texto nasceu de uma entrevista com SHingo Araki realizada por Yûichiro Oguro da Web Anime Style, logo após a conclusão 5º filme Tenkai-hen Josô Overture (Prólogo da Saga do Céu – Abertura), onde ficamos sabendo mais sobre as obras de Araki, sua forma de trabalhar e mais detalhes sobre sua relação com Saint Seiya naquela época marcada pelo revival da Saga de Hades Santuário. As imagens foram adicionadas por mim e não fazem parte do texto original.
PERGUNTANDO AO SR. SHINGO ARAKI SOBRE O RECÉM-NASCIDO “SAINT SEIYA”
Texto: Yûichirô Oguro
No outono de 2000, quando reunia informações para o libreto de explanações do DVD-Box de “Versailles no Bara” (A Rosa de Versalhes), encontrei pela primeira vez com o sr. Shingo Araki. Depois de parar o gravador, o sr. Araki disse, “estou considerando me aposentar logo, logo”, aquilo foi um pouco chocante para mim.
Acho que dentre os leitores deste artigo, certamente, não há quem não conheça o nome do sr. Shingo Araki, em todo caso, vou apresentá-lo. O sr. Araki começou publicando trabalhos como cartunista de livros de aluguel (kashihon) e, depois disso, começou ativamente como animador na Mushi Production. Depois de deixar a Mushi Pro, uma geração havia sido conquistada por animações com um toque de gekiga (n.t.: ilustrações que se qualificariam como mangá, mas é mais próxima de um graphic novel) com “Kyojin no Hoshi” e “Ashita no Joe”, a partir da segunda metade dos anos 70, produziu personagens fascinantes, um após o outro, com um toque elegante, sendo chamado de “a maior autoridade em belas personagens”. “Babel 2 Sei”, “Majokko Meg-chan”, “Wakusei Robo Danguard Ace”, “Versailles no Bara” e etc, são inúmeras as obras com as quais ele lidou. Atualmente, junto com sua parceira, Michi Himeno, tem se encarregado do desenho de personagens em “Kindaichi Shônen no Jikenbo”, “Gegege no Kitarô (4ª temporada)”, “Yu Gi Oh Duel Monsters”, dentre outros.
http://www.youtube.com/watch?v=3BB-gEyvUik&feature=player_embedded
Não querendo bajular, mas o primeiro nome de um animador que eu lembrava, era o sr. Araki. Na época do ginásio (n.t.: atual ensino fundamental, no Brasil), assistindo a reprise de “Majokko Meg-chan”, percebi que os desenhos eram muito diferentes nos episódios. Dentre eles, aparecia bem na tela, estava creditado do episódio, “Diretor de Animação Shingo Araki”. Depois disso, passei a prestar atenção no trabalho de muitos criadores, se naquela época eu não tivesse conhecido a “Meg-chan” do sr. Araki, eu não teria ficado viciado em animes até aqui.
“Saint Seiya” é a obra-prima do sr. Araki reconhecida por ele mesmo e por outros. Pode-se dizer que é um título em que ele lança livremente suas duas técnicas especiais: “belos personagens” e “ação ostensiva que utiliza deformação”. A nova série de “Seiya” foi produzida em um intervalo de mais de 10 anos. No ano passado, “Saint Seiya Meiô Hades Jûnikyû-hen” (Saint Seya, Saga de Hades, o Rei das Trevas – Santuário) foi ao ar na Sky Perfect!. Ele não apenas o desenhista dos personagens nesta série, como também se encarregou da direção de animação. Desde o início da produção, corriam rumores maravilhosos de conhecidos da Toei Animation sobre o sr. Araki estava trabalhando empolgado. Diziam que “é um nível de força que supera a jovem equipe técnica” ou “ele está corrigindo os layouts um após o outro”. Olhando para a “Saga de Hades, Santuário”, com certeza, que a série inteira resume-se ao estilo de desenho do sr. Araki, e, às vezes, observa-se também que a característica “ação de Araki”. Logo em seguida, foi produzido o filme “Prólogo da Saga do Céu – Abertura (Tenkai-hen Josô – Overture)”, onde o gosto de Araki explode! A tensão do desenho era algo de um nível que não perdia para os filmes anteriores de “Seiya”.
A introdução ficou longa. Eu queria saber sobre o trabalho com o recém-nascido “Seiya”, por isso fui conversar no endereço do sr. Araki. Foi no dia 6 de março, bem quando tinha acabado o perído de exibição ao público do “Prólogo da Saga do Céu – Abertura”.
Para começar, a conversa foi sobre “A Saga de Hades, Santuário”. Nesta série, o sr. Araki foi o supervisor de animação, checando os genga (desenhos-chave da animação) e layouts de todos os episódios, e desenhou sozinho todos os layouts dos cuts dos episódios 1, “O início de uma nova Guerra Santa”, 7, “Um bando de vestimentas negras”, 12, “A Armadura de Atena” e 13, “Manhã de decisão”. É uma imensa quantidade de trabalho. “No começo, aceitava desenhar os gengas de outras pessoas, tanto quanto fosse possível, sentia que o melhor seria corrigí-los. Só por precaução.”, disse o sr. Araki. Por exemplo, no intervalo de 15 dias, checava parte do episódio 1 (aproximadamente 300 cuts), apesar de ter de ver 20 cuts todos os dias, já que a quantidade de séries de TV aumentava de repente, atualmente cada genga man [n.t.: responsável pelos desenhos-chave] encarrega-se de vários trabalhos. Portanto, tinha de considerar bastante para não aumentar os genga. Nos últimos dias da escala de trabalho, aumentou-se de 100 para 200 cuts, ficando impossível de corrigí-los. Então, “decidi fazer sem precaução. Achei melhor eu mesmo me encarregar de desenhar. Assim, poderia produzir rapidamente, no final, ficou desse jeito”. Ele encarregou-se da supervisão de cada episódio, não apenas do episódio 1, mas desenhou todos os layouts dos episódios 7, 12 e 13, em vez de esperar que aumentassem os outros animadores, decidiu logo que iria desenhar tudo sozinho. “Com este ‘Seiya’ atual, deixaram que eu o fizesse, de certa forma, de um jeito egoísta. Com outras obras, até agora, não me deixaram fazer isso”.
A agradável conversa saltou um pouco para os fãs de antigamente. “Voltou um pouco a sensação de quando fazia ‘Kyojin no Hoshi’ e ‘Ashita no Joe’. Pude retomar o jeito de desenhar como naqueles tempos’. Como ele queria desenhar rapidamente, se eforçou, usando lápis afiados chamados de dermatograph, na hora de desenhar os layouts deste atual ‘Seiya’. São lápis coloridos de mina bem grossa como crayon [n.t.: lápis de cera]. Sendo assim, dá para finalizar com traços fortes. “Na hora de desenhar, ah, achava que conseguia desenhar bem, logo depois eu olhava de novo o layout, é um vício que sobressai demais em mim”. Na verdade, parte desse vício do sr Araki é o verdadeiro sabor do anime de ”Seiya”.
O sr. Shigeyasu Yamauchi, diretor da série, mantinha uma parceria com ele desde a série de TV, a combinação do sr Araki com o sr. Yamauchi tornava perfeita a ação característica de “Seiya”, dessa vez também, pode-se dizer que o storyboard do sr. Yamauchi ia de encontro com esse fôlego. Outros diretores também desenharam storyboards, mas alguma coisa nos ângulos do sr. Yamauchi alterava o layout que se tinha em mente. O truque no layout do fluxo de “Seiya” parecia ser “restringir-se à parte que se deseja destacar, a parte que não fosse assim estava morta”. Apesar da “Saga de Hades, Santuário” ter outros animadores que desenhavam bem os layouts, o que não era o estilo de “Seiya” , lamentavelmente, era corrigido.
Era surpreendente, a composição do estilo de Araki e Yamauchi “pregavam peças, era um mundo de perspectivas de deixar doido”, era algo que ele mesmo dizia. Certamente, as perspectivas enfatizavam essas cenas, podia-se dizer que era o extremo da beleza da forma. Entretanto, o próprio sr. Araki estava ciente de que estava desenhando perspectivas de deixar doido. Crescia um súbito interesse e ele ia fundo dizendo “será que aquilo vai deixar doido de propósito?”. Então, o sr. Araki dizia “apesar de eu naturalmente desenhar deixando doido (até certo ponto), estou desenhando distorcido conscientemente”. De fato, não era à toa que o sr. Araki estava desenhando naturalmente. Pode-se dizer que é “característica do sr. Araki” mais uma “intenção”. O sr. Yoshinori Kanada, dos seus tempos de juventude, esteve no estúdio do sr. Araki antes. Poses e ângulos bem característicos do sr. Araki me fizeram pensar que poderia ter influência na ação de Kanada, ao ouvir essa conversa, a convicção aprofundou-se.
Relembrando a “Saga de Hades, Santuário”, ele disse “Desenhei como eu mesmo queria. Fui capaz de fazer tanto em termos de quantidade, nesse sentido eu conclui o trabalho sentindo que ‘foi divertido’ ”. Recentemente, esteve na direção de animação de obras como o filme “Kindaichi Shônen no Jikenba”, e por serem obras que assumia sem colocar suas próprias opiniões, era difícil colocar sua força, o sr. Araki deu um sorriso sarcástico, pois na verdade dava trabalho desenhá-las.
“Por eu mesmo ser uma pessoa afobada com relação ao trabalho, quero desenhar logo”. Desviarei o rumo da conversa. Mas é um assunto muito interessante. Na época em que o sr. Araki deixou a Mushi Pro, ele cuidava da metade de uma série de TV sozinho, ou desenhava os genga [desenhos-chave] de um episódio. Naquela época, em um mês, ele finalizava assim o seu trabalho, disse que tinha criado um cálculo. Por exemplo, quando estava fazendo os layouts de “Ashita no Joe”, ele desenhava com um relógio despertador bem na frente dos olhos. Ele tinha decidido que só utilizaria 15 minutos em um único cut [quadro que compõe a animação], então calculava a quantidade de cuts e o tempo restante. Ele tinha a intenção de desenhar até chegar os 15, mesmo que não finalizasse o trabalho em 15 minutos, a velocidade com que desenhava ia aumentando sem aumentar a meta. E então, logo ele adquiriu o estilo de desenhar. O lado interessante de desenhar muito, era que valia à pena pelo que resultava. “Eu estava limitado pela escala de uma série de TV de anime, a antecipação levava ao sucesso”, disse o sr. Araki, que logo avançava, e mesmo quando começava mais tarde, produzindo em cima da hora da escala, era absurdo.
Voltando à conversa novamente. Sendo desse jeito, o sr. Araki teve confiança para arranjar uma série de TV de anime, dizem que foi quando trabalhou em parceria com o sr. Eiichi Yamamoto em “Jungle Taitei” [conhecido no Brasil como “Kimba, o Leão Branco”], na época em que era um novato. “Não sei dizer quantas folhas de papel eram utilizados naquela época. Por isso eu acho que haviam diversas formas de se fazer. Num tipo de cut em que um nativo se aproximava da câmera como se pulasse em alguém, por que não dar a sensação de movimento no momento de pular dando um susto em duas folhas de desenho? Por fazer esse tipo de coisa, eu acabei sendo chamado de “Araki, o assustado” (risos). Cada uma era uma experiência única. Naquele momento, tomei os vários conselhos do sr. Yamamoto. e então estudei para me tornar um genuíno animador, o oposto do que eu estudava”.
Desenvolvido o estilo limitado do jeito Mushi Pro, o sr. Araki concluía a ação com suas variações. Com seu jeito de trabalhar desenhando logo, parecia que a conclusão era impulsionada. “Eu desenhava com fervor, ajustando o método do blefe nas obras para a TV. Assim eu conseguia desenhar em quantidade. Por outro lado, ao participar em uma obra cinematográfica, há quem produza pequenas quantidades cuidadosamente. Ficava claro que pessoas assim tinham habilidades impressionantes. Como eu trabalhava em várias obras, cheguei a pensar que atuações tranquilas deveriam ser levadas em consideração. Mesmo estando zangado, expressões como essa não deveriam transparecer, era uma coisa complicada. Desenhei desses dois jeitos em ‘Seiya’.”
Com a força reunida na “Saga de Hades, Santuário”, ele entrou com tudo na produção do “Prólogo da Saga do Céu – Abertura”. Nesta obra, os layouts de todos os cuts foram desenhados pela Araki Production. Nos layouts desta produção, o sr. Araki finalizou os cuts, desenhou os roughs [n.t.: esboços], com base neles, Michi Himeno, Hiroya Iijima, Kyoko Chino e Masaya Ichikawa, os cinco da Araki Pro, passaram a limpo os cuts. No que diz respeito aos genga, a quantidade total de cuts foi 1450, dos quais a Araki Pro se encarregou de 500 a 600 cuts. Araki Pro encarregou-se das cenas da casa de campo na abertura, as cenas de Artemis e Tohma, e as cenas como as de clímax. Em relação aos genga da Araki Pro, o sr. Araki se empenhou muito nos esboços dos movimentos. Também em relação à supervisão das correções, os outros membros da Araki Pro se juntaram a Shingo Araki e Michi Himeno, ficando como substitutos deles na supervisão. Acho que foi uma preparação impecável, como o tempo de trabalho de uma produção cinematogrática é apertado, dizem que que a produção foi uma batalha contra o tempo. Eles conseguiram esticar o trabalho até o último minuto, dando mesmo a verdadeira sensação de que foi terminado.
Com relação à finalização, havia empolgação quando via o rush [n.t.: sequência de imagens da animação em um último estágio a serem aprovadas], pressentia que ficaria bem. No entanto, ele sentia-se insatisfeito com o filme praticamente concluído. “Cenas como as da abertura ficaram além do que eu mesmo havia imaginado. Se considerar a agenda, fomos bem além, apesar de achar que todos fizeram o seu melhor, não tem nada a ver com a finalização, é algo do meio da produção. Pelo que foi mostrado ao público no cinema, deveria persistir mais nos desenhos”. A postura do sr. Araki é severa.
Quando perguntei sobre a aposentadoria que ele tinha insinuado antes, ele deu uma leve risada e disse “até fazer o atual ‘Seiya’, eu já estava meio aposentado”. Porém, é um exagero dizer que estava aposentado, com certeza, há muito trabalho só de character design recentemente, não estava fazendo muito a direção de animação. Em “Hades – Santuário”, ele disse que, ao ver o que outras pessoas desenhavam, ascendia-se o fogo da motivação do sr. Araki. “Não estou dizendo que o que os outros desenhavam era ruim em particular, mas ao olhar, eu pensava ‘se fosse eu, desenharia assim’. Era assim desde antigamente. Quando eu faço assim, a motivação surge e o trabalho também progride. É esse tipo de animador que eu sou”.
Ainda não foi anunciado o desenvolvimento da futura série de “Saint Seiya” [nt.: Hades Meikai-hen]. Então, o sr. Araki fará parte da continuação da “Saga de Hades, Santuário” [Meiô Hades Jûnikyû-hen] ou da história original, a “Saga do Céu” [Tenkai-hen]. Ou será “Ring ni Kakero!” (ano passado, o seu filme-piloto foi gravado em um DVD que foi distribuído como brinde a todos os leitores da revista. Foi também uma parceria entre Araki e Yamauchi, produzido entre a “Saga de Hades, Santuário” e o filme “Prólogo da Saga do Céu – Abertura”)? Seja o que for, ainda veremos muitas outras novas produções do sr. Araki.
Finalmente, há alguns dias eu soube do lançamento do livro ilustrado “Saint Seiya Shingo Araki & Michi Himeno ILLUSTRATIONS – Hikari”. Apesar de já termos apresentado antes no “Web Anime Style”, para nossa surpresa, acabou sendo o primeiro livro de ilustrações do sr. Araki e da srta. Himeno. Tenho certeza que era uma publicação muito aguardada. “Apesar de estar feliz pelo livro em si, eu queria colocar gengas desta história original também [n.t.: referência aos esboços da animação do filme Tenkai-hen] e mais desenhos crus”. Se for possível, gostaríamos também que fosse publicado um livro que reunisse outras ilustrações além de “Saint Seiya”. Além disso, ele também me contou que, algum dia, queria montar um tipo de gekiga [ romance gráfico/graphic novel] com desenhos de sua infância.
Me pareceu exatamente o tipo de chefe que eu não gostaria de ter sauhsuhsa.
Mas se hoje ele é consagrado e se tornou uma deidade no mundo da animação, com certeza foi por causa de todo esse mimo e capricho com o qual fazia seu trabalho.
Shingo fez um trabalho primoroso e certamente um legado incrível!
Obrigado por mais esta entrevista, Nicol! o/