AUTOR:
Michael Serra
SCREENS:
Raiga – Fórum Arayashiki.
FONTES:
The Mahabharata (principalmente o Sabha Parva) – Sacred Texts.
The Rig-Veda – Sacred Texts.
The Vishnu Purana – Sacredt Texts.
Wikipédia: Amrita, Soma, Amritsar, Sikh, Kandahar, Gandhara e outros.

MONTE JANDARA
e a Água da Vida

Ou melhor, Pico dos Espíritos de Jandara (霊峰ジャンダーラ, ryou mine jandara), foi um elemento adicionado na animação da série, exatamente no capítulo 35, onde Seiya resolve se arriscar em busca da ”Água da Vida” para ofertá-la a Shiryu, assim podendo, talvez, curar sua vista. 

A Água da Vida é um termo comum da tradição religiosa oriental, da Pérsia ao Japão. Suas origens remontam tanto à Amrita, do Tibet e do Punjab, quanto ao Soma, indo-iraniano. Este último, devido a tradições do Rig-Veda (clássico religioso hindu) e do Avesta (clássico religioso persa), é identificado principalmente como um suco de uma espécie de planta de montanha, que possui certas características energizantes. Também simboliza a “suprema verdade”, por assim dizer…  

Diz o Rig-Veda que esta preciosa bebida era guardada pelos Gandharvas (guarde bem a raiz desse nome), seres espirituais apreciadores de boa música e com a peculiar semelhança com cavalos ou aves.

 

Seriam essas aves os Gandharvas do mito? Hehe, acho que sim, hein?

 

Diz o Mahabharata, grande épico hindu, que os Gandharvas foram criados pelas mãos de Gandharvi, uma espécie de ancestral ou pequena divindade. Posteriormente encarnou (avatar) em Gandhari, filha do Rei Subara de Gandhara, madrasta dos grandes pandavas (protagonistas do conto) e aliada dos kurus (antagonistas), representando assim a alegoria do empecilho que se põe à frente daqueles que buscam a suprema verdade do mundo.

A raiz dos nomes destacados (“gand”) traduzido do sânscrito e do urdu quer dizer “luz“, como esclarecimento, a luz da verdade. Contraposta à situação de Shiryu, cego em meio à escuridão, era justamente a água da vida que traria luz de volta a seus olhos.

Gandhara, o local citado no Mahabharata, foi um reino que de fato existiu na história. Se localizava ao extremo noroeste do industão (subcontinente indiano). Curiosamente, bem a oeste de Jammu & Kashmir, um dos atuais estados da Índia e que serviu de inspiração para a criação de Jammir, em Saint Seiya. 


(mapa da wikipédia)

E, tal como Jammu & Kashmir, é uma região de montanhas e vales. Dai a teoria de que, como a criação ‘kurumadiana’ de Jammir, o termo Jandara também tenha sido uma invenção (pois, de fato, não faz parte do vocábulo japonês), aludindo exatamente à região de Gandhara. 

Gandara – Gandhara – Gandhāra – Ghandara – Ghandahra – Chandahar – ガンダーラ
Termos comuns usados ao longo do tempo, conforme transliterações de cada língua.

Jandara – Jandhara – Jyandara – Jyandhara – Jandahra – Jyandahra – ジャンダーラ
Possíveis entendimentos de transliteração do termo encontrando em Saint Seiya.

Todavia uso em português Jandara pois é o que mais se assemelha à vontade do autor e que se mantém correto.

Tal nomenclatura, hoje em dia, resultou no português em Candahar (inglês: Kandahar, mas é um termo de tradição árabe-persa comum aos antigos hindus. A cidade em si foi fundada por Alexandre, o Grande, com o nome de Alexandria, e somente teve seu título alterado com o posterior crescimento do islã, retomando suas origens) – ainda que geograficamente Candahar esteja mais ao sul que a Gandhara original.

Adentrando um pouco a mais na mitologia… De acordo com o Vishnu Purana (capítulo 2), o centro do mundo é o Monte Meru, espécie de Monte Olimpo dos hindus. Ele está ao centro de uma região nomeada Ilávrita. É dito também que existem quatro distintas montanhas que circundam cardealmente o Monte Meru. São elas: à leste, Monte Mandara; ao sul, Monte Gandhamádana (Merumandara); a oeste, Monte Vipula (Kumuda) e ao norte: Monte Supárśwa.

Gandhamádana chama-me a atenção para a provável contraparte mítica do Gandara.

Esse estudo sobre a água sagrada até o momento se baseou nas lendas do Soma, ou seja, tradições indo-pérsicas. Como já dito, os tibetanos e sikhs possuem o mito da Amrita. Especificamente nessa saga a água da vida toma forma de bebida que concede a imortalidade (muito semelhante assim à ambrósia grega).

Novamente, a tradição aponta sua existência para a região ao redor de Gandhara. Pois os sikhs, que mantém a cultura dessa lenda viva, habitam o Punjab (estado ao noroeste da Índia que faz fronteira com o Paquistão – e assim de fato próximo à Gandhara). Entre eles existe o ritual de batismo com a água da vida, Amrit Sanskar, muito semelhante ao cristão. E enfim, a própria capital do estado é chamada Amritsar, cujo nome significa literalmente: “O Oceano do Néctar da Imortalidade”.

Pensando sob ambos os prismas, tanto o de Soma quanto o de Amrita – unindo os conceitos de luz e imortalidade, talvez assim se possa explicar o estranho acontecimento do Dragão recuperar sua visão após sair do Yomotsu. Após estar prestes à morrer seus olhos retomam a claridade.

Em termos de conclusão, fico com as palavras de Dohko, que praticamente predisse a Shiryu que, quando unisse os dons místicos energizantes da água da vida à expansão de sua cosmo-energia após atingir o 7º sentido, recuperaria sua visão, exatamente com o dom da luz concedido por esta miraculosa bebida.