Matéria produzida por:
Michael Serra – Taizen Saint Seiya. 

 Revisão por:

 Thiago Techy.

 Fontes: 

 Matéria produzida por:
Michael Serra – Taizen Saint Seiya. 

 Revisão por:

 Thiago Techy.

 Fontes: 

 Fontes: 

 TSÉ, Lao. Tao Te Ching: O Livro que Revela Deus [tradução de Huberto Rohden]. Editora Martin Claret, São Paulo – 2003.

 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos [tradução de Vera da Costa e Silva]. José Olympio Editora, Rio de Janeiro – 2002. 

 _, _. A Doutrina de Buda [tradução de Jorge Anzai]. Editora Martin Claret, São Paulo – 2003.

 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo [tradução de Salvador Gentile]. IDE Editora, Araras – 2004. Original
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos [tradução de Salvador Gentile]. IDE Editora, Araras – 1999.

 DHARMA, Krishna. Bhagavad Gita [tradução de Huberto Rohden]. Editora Martin Claret, São Paulo – 2004. Original
DHARMA, Krishna. Mahabharata [tradução de Vânia de Castro]. Editora Ediouro, São Paulo – 2002.

 HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias [tradução de Mary de Camargo Neves Lafer]. Editora Iluminuras, São Paulo – 2002.

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REENCARNAÇÃO E PREDESTINAÇÃO

 

Reencarnação, eis talvez um mito (sic – não adentrarei no âmbito da realidade religiosa) tão antigo quanto a própria humanidade enquanto sociedade. Desde os primórdios, por toda a terra, a praticamente todo momento e cultura, o ser humano frente à morte já imaginava outros mundos aos quais adentraria ao partir deste. Erguiam-se grandes monumentos, dos simples túmulos de pedras orientais às majestosas câmaras mortuárias em zigurates e pirâmides, revelando a preocupação sempre latente com a outra vida. 

Ritos e mitos que preparam ou explicam esta jornada estão presentes em uma vasta gama de religiões e até mesmo na paraciência. Assim sendo, não podia deixar de estar figurando também em Saint Seiya. 

É prematuro discutir este tema sem nos atermos à mitologia cármica presente na obra. Irei discorrer mais abaixo somente algumas poucas passagens sobre o assunto, pois existem numerosos tópicos acerca disto e pretendo somente despertar um questionamento, penetrando assim no contexto de Saint Seiya. E depois de postuladas certas concepções novamente recorreremos a mitologia para realçarmos os traços que exponho. 

Adentrando na mitologia.

São praticamente duas as passagens principais sobre este assunto na nossa série. A primeira no confronto Ikki versus Shaka. A segunda no julgamento de Seiya realizado por Rune. A técnica ‘Riku Dou Rin E’ (六道輪廻) de Shaka alude aos mundos da metempsicose. Seis mundos nos quais a tradição ocidental vê uma espécie de purgatório das almas. 

Vamos a uma citação renomada:

 

“A crença na metempsicose, sob formas e nomes diversos, é atestada em numerosas áreas culturais: indianas, helênicas, nórdicas, etc. Ela é rejeitada pelo judaísmo, o cristianismo, o Islã, que implicam uma concepção do tempo linear, ao invés de cíclica.

[…] Elas exprimem, de um lado o desejo de crescer na luz do Uno [aqui bem entendido como Cosmo], e, de outro lado, o sentido de responsabilidade dos atos realizados. Essa dupla força, o peso dos atos e a aspiração à pureza leva, em um ciclo de renascimentos, até à perfeição adquirida que abrirá o acesso, fora da roda da existência [Samsara], à eternidade. A metempsicose aparece como um símbolo da CONTINUIDADE MORAL E BIOLÓGICA. Desde que um ser começa a viver, ele não mais escapa à vida e às conseqüências de seus atos. A vida não é um lance de dados: a crença na metempsicose abole o azar”.

  

CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos. Termo: Metempsicose.

 

A vida é um ciclo que leva à eternidade [Não que ela seja a própria eternidade]. Somente não percebemos isso graças a Maya (ilusão) do cotidiano e da matéria. Quem foge aos grilhões desta repetição de transmigrações é considerado um Buda, contudo essa liberdade não impede que estes iluminados de encarnarem a modo de ajudar outros a também alcançarem o Nirvana ou a paz, protegendo-os dos males terrenos. Seria esta missão de Shaka como Cavaleiro.

A responsabilidade sobre seus atos implica na lei da causalidade (não confundir com casualidade). Vejamos esta passagem de um clássico oriental, o Tao Te Ching, que mesmo talvez de modo obscuro e rebuscado pela poesia reflete bem a doutrina que tentamos explicar:

“Quem se ergue às alturas sem desejos

Enche de silêncio o coração.

E, ainda que todas as turbas ruidosas

Assaltem o homem isento de desejos,

Ele habita em profundo silêncio,

Contemplando, sereno, o louco vai-e-vem,

Porquanto tudo o que existe

É um incessante vir e voltar,

Um nascer e morrer.

O que retorna volta ao Imperecível.

Quem isto compreende é sábio.

Quem não compreende é autor de males

Quem é empolgado pela alma do Universo

Alarga seu coração.

E o homem de coração largo

É tolerante,

E o tolerante é nobre.

O homem nobre cumpre a ordem cósmica.

E quem cumpre esta ordem

Se identifica com Tao, o Infinito.

É imortal como Tao

E não subjaz a destino algum”.

 

LAO TSÈ – Tao Te Ching. Poema 16.

 

Tudo está engendrado numa teia de causa e efeito, e o reflexo destas condições em vidas futuras é o que se chama de ordem cósmica, Carma. Ou seja, cada uma de nossas ações resulta, dependendo de sua natureza, no bem ou no mal, tornando-se uma força latente que influenciará certamente as futuras vidas. Este conceito abrange três tipos de ações: físicas (biológicas), verbais (morais) e espirituais (mentais). Todas reguladas pela ordem do equilíbrio, a lei de compensação (Tao, todo universal, o equilíbrio entre o yin e o yang) – outro nome para a lei ação e reação, da causa e efeito.


Volume Nacional 17, página 57.

Pensamento sobre a ilustração da ‘morte’ de Ikki no mangá: Assim, boas ações rendem melhores frutos na vida futura. Deste modo, nada cósmico ou cármico impediria que Ikki voltasse em sua próxima vida como irmão de Shun. 

Diz o espiritismo (outra doutrina semelhante ao budismo) que, nada impedindo (como algum estigma cármico), os espíritos buscam contato, maior proximidade em sua missão de aperfeiçoamento na encarnação, justamente com outros de maior afinidade (não somente parentes, vale dizer e o que implica em toda coletividade de Cavaleiros em nossa análise). Afinidade é assim revelada:

  

-“Os bons espíritos simpatizam com os homens de bem, ou suscetíveis de se melhorarem; os espíritos inferiores com os homens viciosos ou que possam vir a sê-lo. Daí sua afeição, por causa da semelhança das sensações”.

 

O Livros dos Espíritos, compilado por Allan Kardec. Tópico 484.

 

“Diga-me com quem andas, que te direis quem és”, é um ditado vulgarizado e tirado de seu contexto, mas que aqui é válido de modo geral. 

Retomando a citação de Chevalier… Falar de continuidade moral e biológica justamente agora, onde é publicado no Japão o Lost Canvas, com Cavaleiros de Ouro da antiga geração muito semelhantes (para não dizer idênticos) aos da geração atual, parece chover no molhado, mas é de fato preciso. 

 

“Assim como há causas para todo sofrimento humano, existe também um modo pelo qual ele pode findar, porque tudo no mundo é o resultado de uma grande confluência de causas e condições, e todas as coisas desaparecem quando estas causas e condições mudam ou deixam de existir“.

 

A Doutrina de Buda. Bukkyo Dendo Kyokai (Fundação para propagação do Budismo). Editora Martin Claret, página 43.

 

Pensemos a trama de Saint Seiya sob este viés. Se tudo é causa e efeito, e se estas causas não mudarem, ou desaparecem, os efeitos também não mudam. Oras, vemos nos ciclos de renascimentos de Atena e de Guerras Santas que as causas [do conflito] são as mesmas – a luta em prol da humanidade contra divindades de visões distintas. Deste modo, como poderiam os efeitos [do conflito] sofrerem alguma alteração drástica? – falo de modo geral e não de pormenores, pois ai, como o próprio Budismo diz, também existem causas e efeitos menores resultantes do livre arbítrio de cada um. Assim, cada ato livre repercutirá em outro karma distinto no futuro, que contudo ainda se encontraram na teia de um contexto maior.

Argumento isto para refletirmos melhor sobre algumas passagens de Saint Seiya. Antes de tudo, não quero aqui defender ou postar-me como advogado de qualquer visão, somente pretendo expor a coerência por mim encontrada em cada fato, da mesma forma que apresentar, se assim encontrar, as divergências e incoerências sobre o assunto.

Concepção Kurumadiana
Parte 1 – Homens e Deuses

*Kurumadiana por falta de termo melhor, perdão.

  

“Na mitologia da Grécia Antiga, havia uma deusa chamada Atena. Filha do maior dos deuses, Zeus, ela nasceu revestida por uma armadura. Ela era Atena, a deusa da guerra! Mas ela detestava as batalhas e somente lutava para se defender […]. Essas disputas divinas envolviam os humanos em combates sem fim. No campo de batalha haviam jovens que protegiam Atena, os Santos Guerreiros […]. Ainda hoje, sempre que as forças do mal se manifestam, ressurgem os Cavaleiros da Esperança. Seus nomes não constam na mitologia, mas eles sempre serão os Cavaleiros de Atena“.

 

Volume Nacional 1, páginas 24 à 29.

 

Não quero levar a citação ao pé da letra – logo de cara, mas de modo geral a tomo como partida. Sempre que o mal despertar sobre a face da Terra, Atena reencarna para assim poder combater o inimigo que ameaça a humanidade. Sabemos que o mal, grande parte das vezes, é a representação de alguma outra divindade que, por interesses particulares ou outros motivos, acaba por entrar em conflito com os ideais da deusa. É a Guerra Santa. 

Atena então reencarna para tomar frente na contenda. Na série é dito que isto acontece, mais ou menos, a cada 250 anos (no mangá especificamente é dito entre 200 e 300 anos). Não que uma divindade seja limitada por normas temporais, sendo obrigada a renascer na em períodos específicos. Eles podem se manifestar a qualquer momento (salvo quando impedido por outras manifestações divinas), seja como Entidade Cósmica (Cronos no Episódio G é exemplo) ou como Entidade Carnal (que pode ser encontrada em três tipos: Avatar, tal como Saori Kido vivendo em um novo corpo; Possessão, como a alma de Hades no corpo de Shun; e finalmente no próprio Corpo Mitológico original, tal como o mesmo Hades). O que ocorre então é que no caso de Atena ela vem ao mundo quando os ‘selos’ que impregna nos deuses derrotados em Guerras Santas anteriores perdem seu efeito frente cada onipotência.

Assim, vemos que os deuses possuem controle sobre suas almas, mas o mesmo acontece com os simples humanos?

Antes de tentar solucionar esta questão, pensemos primeiro no que distingue um homem de um deus. Em Saint Seiya temos duas vertentes básicas sobre o assunto. A Herança Cósmica e a Evolução Cósmica – e ao meu ver, não precisam ser, necessariamente, opostas, podem sim se harmonizar). 

A primeira é clássica (principalmente exaltada no Episódio G), fortemente corroborada com a mitologia. Os deuses primordiais possuem origem misteriosa e caótica, mas passando aos seus descendentes, geração por geração, a característica vital que os distingue dos seres humanos – uma espécie de sangue azul, nobre, o Ikhor. Como sempre é dito nas entrelinhas de Saint Seiya, os mitos refletem possíveis verdades, ainda que deturpadas pelos anos e pelos ouvidos de cada um – por isso nos parecendo tão nebulosos e intangíveis. 

A segunda é mais ousada (principalmente exposta no Hipermito), mas todavia, ainda enraizada em penumbras mitológicas e pseudocientíficas. É a teoria de que, inicialmente, não havia distinção entre homens e deuses, mas que a ‘evolução’ tomou caminhos distintos em ambos. 

 

“Sabe-se que o homem dispõe de cinco sentidos: A visão, a audição [equilíbrio], o paladar [fala], o olfato [respiração] e o tato [locomoção]. Também se reconhece a existência de um Sexto Sentido, o instinto que as pessoas extralúcidas possuem de maneira extremamente desenvolvidas [psi]. Mas também existe o Sétimo Sentido… Você sabe qual é? Segundo a mitologia, na época em que os deuses caminhavam entre os homens, todos possuíam o Sétimo Sentido. Mas a raça humana se desenvolveu rapidamente e perdeu esse precioso sentido. Não completamente… pois o Sétimo Sentido jaz hibernante no coração de todos os homens”.

 

Volume Nacional 13, página 6.

*entre colchetes os sentidos sub-entendidos, comumente aplicados em Saint Seiya.

 

Nesta passagem ainda permanece a dubialidade da questão. Todo modo, vemos que a humanidade ‘regrediu’ ou ‘evoluiu em outro caminho’, mas ainda assim, extra-sentidos habitam no coração de cada um. É possível despertá-los, é possível evoluir – ao Oitavo Sentido (Arayashiki), ao Nono Sentido (Vontade Divina).

Esta Vontade Divina, assim dita no Hipermito, contrapõe-se à Dynamis (do grego – potência, fazer mover, acontecer, dinâmica) do Episódio G, a força motora, a capacidade de moção, de movimento, de poder, ou melhor, de potência dos homens. Ou seja, neste ponto as duas visões são justapostas no sentido de que, um deus é pleno de si, de sua divindade, ao passo que o homem não, mal compreendendo-se enquanto homem e menos ainda identificado com a divindade presente dentro de si, ou seja, o homem é todo potência, todo Dynamis.

A capacidade de criação dos deuses é derivada da junção de seu microcosmo às leis do macrocosmo, do universo, por isso dissemos que sua vontade (Vontade Divina) é absoluta. A capacidade humana de superação e da possibilidade do conhecimento interior, despertando a divindade dentro de si é potencial.

Agora, como disse anteriormente, estas duas visões não se excluem. Pois afinal, sangue também é matéria, e toda matéria veio das estrelas, do cosmo… A herança sangüínea não parece fugir ao caso e nem impedir que haja evolução conforme apresentamos – principalmente realçada agora pelo contexto de potencialidade ‘evolutiva’…

 Visto agora que, talvez, deuses e humanos não sejam tão diferentes – ainda que até tenham origens separadas – pois, se assim não fosse, se não fosse possível evoluir, como humanos venceriam deuses? Não é este o maior fato que os autores da série tentam nos apresentar? Superação. Sim… é possível, eis a apoteose mítica, tal como a da lenda de Hércules e de Tróia -, retomemos nossa questão. Como é a reencarnação para os meros humanos? De certo modo não pode ser tão distinta da dos deuses. Parece que a noção básica que os difere é de fato o Nono Sentido e a Dynamis, ou seja, a vontade absoluta e o poder potencial de moção em relação a alma. Mas será mesmo assim? Não haveria algo a mais pairando sobre eles? Até sobre os deuses? O Destino?!

Concepção Kurumadiana
Parte 2 – Carnalidade

 

Volume Nacional 44, páginas 72 e 73.

 

Esta comovente cena diz algo muito importante. Que todos os Cavaleiros (nem tão somente os dourados, pois quem pensa estas palavras ao que parece é Seiya, ou Shun) são, por assim dizer, ‘os mesmos’ desde o princípio dos tempos. Desde o princípio do lado de Atena em cada Guerra Santa – Querer ir contra isto, relegando a um simples fato generalizante, de que a passagem se refere à coletividade e não aos ‘espíritos’, parece ser uma mera recusa aos fatos, de certo com base em preconceitos, visto aos demais fatos neste artigo apresentados e a própria poeticidade da cena.

Ora ora, até mesmo na mitologia grega temos algo semelhante. A Raça de Heróis, descrita por Hesíodo em seu “Trabalho e os Dias”. Era justa e corajosa, tomando parte nas guerras (Tebas, Tróia, etc…). 

Estes homens estão presos, ou melhor, estes ‘espíritos’ estão presos, e ao que tudo indica, por livre e espontânea afinidade, ao Karma que Atena escolheu, compartilhando-o… O Karma de absorver os pecados do mundo em troca da boa-venturança da humanidade (Quantas vezes vimos Atena se esvaindo em sangue e lágrimas… o mesmo acontecendo com os Cavaleiros de Ouro ao se martirizarem como Espectros, ou ainda quando Seiya desafia Apolo, mesmo que viesse a padecer eternamente por seu ato). 

Sabemos que no budismo somente aquele que se desapegar a qualquer tipo de desejo se libertará destas encarnações. Contudo, vemos que nossos Cavaleiros desejam proteger a humanidade, batalham por ela e pelos bons ideais que a representam a todo custo. Assim, não se libertarão deste Karma – É o preço a ser pago na lei de equilíbrio cósmico (E deste modo também percebemos o quanto Shaka torna-se diferente neste aspecto, justificando o porquê do ‘ser mais próximo de Deus’ as vezes parecer tão frio e rígido, indo contra à idealização ocidental do ‘homem santo’, já que não apresenta desejos e sentimentalismos pueris – um Buda sendo).

Entretanto (hora da grande questão que atemoriza os fãs de Saint Seiya, ao menos na banda ocidental do mundo), tudo isto define bem o tema ‘reencarnação’ na obra, mas como explicar, se é que isto é possível, a semelhança física entre os corpos destes reencarnados ao longo das eras? Isto de fato possui alguma coerência ou seria mera brevidade intelectual ou artística de seus autores?

Deixarei de lado a última questão que não é de meu interesse estudar, nem fomentar opinião sobre. Mas quanto a primeira, vamos lá.


Volume Nacional 48, páginas 62 à 64.

Nesta seqüência ao alto e à esquerda vemos algo muito peculiar. Hades recordando-se da Guerra Santa de 1743 e identificando Seiya, digo, a fisionomia de Seiya como igual à aquele antigo Cavaleiro de Pégaso que fora o primeiro homem a o ferir. Homem que agora sabemos se chamar Tenma. 

Não saberia dizer se um deus vê algo a mais que os humanos, se vê através do corpo carnal e identifica o espírito. Mas não me parece que tenha sido isto… Todavia, também caiba esta ressalva a tudo que virei a dizer daqui para frente.

Partindo do suposto que ele realmente tenha identificado a face de Seiya como sendo semelhante a face de Tenma, o que se pode conjeturar?

Que o cosmo molda o corpo de acordo com os valores biológicos, mentais e morais herdados pelo Karma? [conforme vimos à cima]

É uma possibilidade embasada pela tradição budista e espírita. Acho que aqui cabe uma retomada melhor explícita sobre o que já dizemos sobre a mitologia. O hinduismo e o xintoísmo, pregam que o homem pode reencarnar em qualquer ser, podendo vir a se tornar um verme ou um coelho por exemplos, dependendo também da natureza de suas ações. Já o Budismo (assim como o Espiritismo) não, pois isto seria uma regressão nos princípios de evolução rumo ao Nirvana, rumo ao Tao, etc… E não existe ‘regressão’, pois nesta doutrina o homem adquire certos valores que carrega consigo por toda eternidade (os valores bons nunca são perdidos, ao passo que os maus um dia se dissolverão), e estes

valores refletem na concepção do ego do indivíduo, naquilo que os torna diferente dos outros, na sua identidade. Não somente a moral do indivíduo assim é formada, mas também a fisionomia que mais lhe convém ao seu Carma.

Lendas folclóricas e populares apregoam que, exemplo, se em uma vida passada uma pessoa abusou do seu carisma em corrupções e orgias, na vida vindoura pagará seu quinhão sendo desprovido totalmente de beleza, etc… O espiritismo diz que isso também pode ser uma ‘missão’ de evolução escolhida por afinidade pelo próprio indivíduo como forma de remissão de seus delitos (No Budismo, inerentemente, isto já seria uma conseqüência cármica). Vemos assim que o Carma também pode ser mutável… E assim, em suma, o ponto que quero chegar é que, novamente digo, se tudo é causa e efeito, e se estas causas não mudarem, ou desaparecem, os efeitos também não mudam

Se as causas da existência de tais Cavaleiros em determinada época são as mesmas de sempre, se a moral geral, diretriz de uma vida inteira, (defender a humanidade e Atena, por exemplo) de suas individualidades praticamente não variam ao longo das eras (aceitando o pressuposto então de que ao menos a personalidade pode ser igual), o Carma escolhido por estes guerreiros pouco se alterará em quaisquer conjunturas. E se o Carma em pouco se altera, a própria aparência herda o que já lhe era definidora em outras vidas. 

Faço uma citação um tanto rara, um comentário do meu companheiro de site, Allan, sobre a questão:

 

São elementos característicos de cada personagem e são meros detalhes que inclusive servem pra explicar porque tais personagens os utilizam ou guardam isso mesmo em outras vidas, quando se trata de vidas passadas, sempre existem pontos comuns que servem justamente para isso, para ligar uma era a outra e dar um sentido a um comportamento ou algo que um personagem tem ou faz hoje.

 

Forum CDZ.com.br e Forum Monte Olimpo (nick Nicol e Dohko de Libra).

 

Allan se referia mais a produção de uma obra que trata destes pontos sob visão oriental. Pois no aspecto mítico (ou real, para algumas religiões) o caminho é justamente o inverso. As características comuns não surgem para ligar as vidas de cada indivíduo, ao contrário, são resultantes destas! Exemplos os quais acho que Allan se referia: A técnica do Shaka de fechar os olhos para otimizar seu cosmo. Desde pequeno, frente a estátua de um Buda, ele já os mantinha assim? Será que mesmo ainda em seu aprendizado, em sua tenra ignorância como criança, ele já teria formulado teses e teorias sobre a eficácia desta técnica sobre o cosmos? Não parece muito plausível, sendo muito mais pertinente crer que se trata de uma herança de vidas passadas – mas não são somente características tão nobres perduram, talvez até mesmo futilidades sejam marcantes nestas individualidades (como diria o espiritismo, dependendo do nível de evolução da alma), dando espaço para trejeitos e acessórios corporais.

Obviamente, contudo, podem e devem haver ligeiras exceções, digo distorções, ou como dizem os estatísticos, um desvio padrão. Mas não que seja uma fuga à ‘regra’, mas sim uma maior complexidade desta. Logicamente, pequenos desvios de conduta gerados pelo livre arbítrio provocaram pequenos desvios de Karma a serem sanados futuramente. Canon, em toda sua saga (desculpem o trocadilho), então estaria pagando por algum pecado do passado que somente fora expurgado com a Agulha Escarlate de Milo? (Chega a ser ridículo de óbvio). Saga, Camus, Shura, Afrodite e Máscara da Morte redimiram-se de suas falhas ao encarnarem como ‘Espectros’? Aparentemente sim, visto que vemos todos os dourados juntos na cena do Muro das Lamentações… 

Outro caso, mais complicado, que pode saltar as vistas logo de cara é a situação Sion/Mu/Kiki. Analisemos. 

Já que o ponto é vida passada, não me espantaria se também houvesse um Mu vivendo nessa era do Lost Canvas, se a questão é vida passada, e as almas desses personagens se manifestam lá de uma maneira ou de outra, então deve haver um Mu lá também, a diferença é que ele não é um Cavaleiro de Ouro, mas pode muito bem ser um outro cavaleiro ou mesmo um assistente ou amigo de Sion que viva em Jamir, então o Mu dessa [geração] poderia ser o progenitor da família que originou o corpo do Mu nessa vida presente.

Forum CDZ.com.br e Forum Monte Olimpo (nick Nicol e Dohko de Libra).

 

A complexidade em questão quando se trata de vidas passadas, carma, e conjeturas é tamanha que qualquer coisa que eu diga adentra no campo da especulação. Mas atentem, especulações possíveis – não fugindo ao contexto. Ou seja, se existem especulações possíveis [de maior desenvolvimento, etc] não há incongruência alguma, ao menos até este dito momento, nesta questão.

Contudo, outra [possível incoerência] mais séria é levantada quando o assunto é PREDESTINAÇÃO

 

Concepção Kurumadiana
Parte 3 – O Destino traçado nas estrelas.

 

Apregoa-se aos quatro cantos do mundo, e com todo direito de assim proceder, que os Cavaleiros são regidos por constelações protetoras, que os guiam nesta vida ao seu destino enquanto guerreiro. Vemos isso em diversas passagens da trama, e ainda em outras publicações derivadas.

Todavia, então em certas circunstâncias esta concepção entra em contradição com novos elementos recentemente escritos em Saint Seiya (referência ao Mito de Hades – onde Cavaleiros de Bronze ‘trocam’ de constelação protetora, elevando-se outros postos hierárquicos). Acontece que esta questão estelar é tão presente em Saint Seiya que de modo algum é possível negá-la. Contudo, parece que ela não é entendida de pleno modo, e que talvez, não deva ser vista somente de uma única maneira. 

Vimos que não existe sorte ou azar no budismo, e como vemos na imagem ao lado, nem em Saint Seiya. Só que, o budismo (assim como o taoísmo, xintoísmo, etc) também prega o seguinte:

 

“Neste mundo há três errôneos pontos de vista […]. Primeiro, diz-se que toda a experiência humana baseia-se no destino; Segundo, afirma-se que tudo é criado por Deus e controlado por sua vontade; Terceiro, diz-se que tudo acontece ao acaso, sem ter causa ou condição”.

 

A Doutrina de Buda. Bukkyo Dendo Kyokai. Martin Claret, páginas 44, 45.


Volume Nacional 13, página 7.

Ficamos assim em um beco [aparentemente] sem saída, pois da mesma forma que não se pode negar a confluência estelar no destino dos cavaleiros, não se pode deixar de ouvir, ou ao menos dar a devida atenção, à doutrina budista, ou melhor, as religiões orientais, tão presentes [do mesmo modo] em Saint Seiya. Reparem nesta outra passagem e vejam se não se assemelha em muito com trechos da série:

 

“Se tudo tem sido decidido pelo destino, tanto as boas quanto as más ações são predestinadas, a felicidade e a desdita também o são; nada existe sem que tenha sido predestinado. Se assim o fosse, todos os planos e esforços para melhora ou progresso seriam em vão e à humanidade não restariam esperanças“.

A Doutrina de Buda. Bukkyo Dendo Kyokai (Fundação para propagação do Budismo). Editora Martin Claret, página 45.

Isto combinaria com a estagnação que os deuses almejam, visto que retira toda a esperança da humanidade e põe o ‘destino’ da terra em suas mãos. Eles que saberiam o que melhor fazer com ela… E não são os Cavaleiros conhecidos como os Santos da Esperança?

Tentemos pensar de outro modo então esta ‘predestinação’. Aliás, comecemos encarando a visão de que um guerreiro é regido por influências cósmicas. Tudo bem não? Tudo vem do cosmos, da explosão estelar que originou o planeta e a vida na Terra… Por isso os homens são ‘influenciados’ pelo Cosmos, pois faz parte dele.

“Nada é somente o Uno, e nada é somente o Verso – tudo é Universo, unidade na diversidade, equilíbrio dinâmico, harmonia cósmica. […] E como o ánthropos [homem] é um microcosmo, feito à imagem e semelhança do grande kósmos, deve também o homem obedecer à mesma lei da bipolaridade [yin e yang] que rege o macrocosmo”. 

 

 ROHDEN, Huberto. Filósofo comentarista do Tao Te Ching, de Lao Tsé, publicado pela Martin Claret, página 31.

 

Tudo visto assim parece muito natural na a trama. Mas sabemos que os guerreiros ‘influenciados’ pelo cosmo não são somente os Cavaleiros, existem também os Marinas, Espectros, Berserkeres, etc… E principalmente, existem aqueles que não são ou não conseguiram se tornar um Cavaleiro.

Aparentemente a ‘escolha’ de um Marina ou Espectro é muito menos complexa, mas todo modo também não refuta o aspecto da reencarnação e karma. E a questão de aparências nestes últimos se torna irrisória vista a descrição que a Enciclopédia Saint Seiya nos dá sobre a atuação do cosmo da MaSei nos corpos recém dominados por ela – exemplo maior Myu, que possui a característica mutante mais exaltada. 

 

“A Surplice reage sobre o corpo daquele ser escolhido pela Estrela Maligna, transformando sua natureza para que aceite o uso da armadura. Em outras palavras, o Espectro nada mais é que um meio para a Surplice exercer sua função. Pode-se dizer até que a Surplice é que controla o Espectro. Essa propriedade de modificar o corpo de quem a veste parece transformar as pessoas em algo não humano, como o exemplo de Myu de ‘Borboleta’ [sic]”.

 

Enciclopédia Saint Seiya, segunda página no tópico sobre Espectros.

 

Notemos os Marinas:

 

“Diferente [sic, diferentemente] dos Cavaleiros de Bronze, que são escolhidos entre vários candidatos e qualificados após duro treinamento, os Marinas são guerreiros do mar escolhidos pela própria Escama. […] Quando eles pressentem a ressurreição de Poseidon, juntam-se no Templo Submarino, a fim de receber[em] as suas Escamas”.

 

Enciclopédia Saint Seiya, página no tópico sobre Marinas.

 

Percebe-se assim que estas classes os guerreiros são ‘eleitos’ de modo diferente dos Cavaleiros. Mas, por qual motivo? Digo, não haveria predestinação estelar à estes? POR QUÊ? Não são todos os homens herdeiros das estrelas? 

Sim. E estes homens, os Marinas, tal como os Cavaleiros, também escolheram um Carma. Seja lá porque motivo ou convicção, mas escolheram seguir o Carma de seu deus e estão agora presos a ele – E não se encontra explicação lógica que explique o menor ‘valor’ da predestinação estelar. E É ESSE O PONTO (que discutiremos mais a frente). No caso dos Espectros a situação torna-se mais aguda ainda sob a forma de possessão (Os espíritos nem reencarnam mais, não renascem em nova vida – acredito eu por já estarem tão torpes e deformados com o ‘sentido da vida’ que um mero corpo carnal não sobreviveria muito tempo com este tipo de alma).


Volume Nacional 13, página 7.

Ou seja, a predestinação, como dito em Saint Seiya, não parece ser um caminho único e rígido com um só destino. É todavia, a trama a qual enlaça todas as ações humanas, méritos e deméritos – livre arbítrio. Vejam bem: 

Se todo homem nasce sob um signo, mas nem todos se tornam Cavaleiros de Ouro, e alguns outros se tornam Cavaleiros de Prata e de Bronze – e entretanto, estes também são regidos pelos signos zodiacais. Deste modo percebemos que, na própria hierarquia do Santuário, aparentemente já havia esta ‘contradição’ no que tange a predestinação. Como pode um Cavaleiro ser regido pelo signo de Áries por exemplo, e vestir a Constelação de Cão Maior, por exemplo. É neste ponto que adentra a idéia de mérito (Bronzeados selecionados após longo treinamento) e livre arbítrio. Muitos possuem o potencial para vestirem as grandes Armaduras de Ouro, contudo, como já vimos, aparentemente poucos, e sempre os mesmos, alcançam esta façanha. E desta maneira nada impede que se relacionem também com as demais constelações [e também, com os demais atributos cósmicos, não somente estelares – bases para outras classes de guerreiros].

Sabemos também que, as ditas constelações são alinhamentos estelares arbitrários, ou seja, não são realidades de fato [ainda que sejam no entendimento da deusa Atena, na estória]. O que quero dizer é que, algumas estrelas de uma mesma constelação, Órion por exemplo, podem estar na realidade mais próximas de outra constelação distante do que de outras de sua própria constelação, sendo tudo mera ilusão de ótica. Existem dezenas de outras concepções e coordenadas astronômicas relacionadas assim com o universo, e querer definir o ‘destino’ das pessoas somente pela máxima ordem zodiacal beira o absurdo do reducionismo, como se todo o cosmos fosse somente esta linha imaginária. É preponderante talvez, mas não única [Sem falarmos do fato de que o universo é eternamente mutável, em constante criação, destruição, enfim, mudança, nada mais NATURAL também haverem mudanças nas influências sobre os humanos, e nos próprios ‘guias’ humanos, ao longo dos tempos].

Isaac, na cena à cima, por seu livre arbítrio salvou Hyoga e acabou encontrando seu destino ao lado de Poseidon. Teria sido diferente caso não salvasse seu companheiro? 

Shun fora destinado a ser o Cavaleiro de Andrômeda ou a ser o receptáculo de Hades? Ou ambos, sempre, ao longo das eras?

Canon seria o verdadeiro Dragão Marinho? Senão, onde estaria o verdadeiro? Mas não é de fato muito suspeito que a Prisão do Cabo Sounion, local sagrado onde desde eras mitológicas Atena ali prendia alguns de seus mais fortes oponentes, tenha facilmente cedido do nada, revelando ao irmão de Saga o Santuário Marinho? ‘Acaso’ sabemos não existir, tudo sendo causa e efeito das ações dos protagonistas. Destino então somente?

Oras, quem sabe a respostas para estas perguntas? Todo este artigo diz que a complexidade das teias de causas e efeitos cármicas é tamanha que uma simples ação de livre vontade também tem seu valor na trama do destino, mas também, as influências herdadas por ações passadas são fortemente atuantes. 

Importante é isto, mostrar que as perguntas não possuem respostas perpétuas, pendendo hora para um lado, de liberdade e esperança, e hora para outro, de carma (ou influências cósmicas), mas não por isso são necessariamente pontos incoerentes na obra. São fatos que se justapõem revelando o próprio dilema humano, tal realçado na moral de Saint Seiya e que instigam realmente o leitor.